quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

O COMBUSTÍVEL REVOLUCIONÁRIO DA VENEZUELA

Lula bandeou para o neoliberalismo clássico

No momento histórico em que muitos intelectuais pregam o fim das revoluções, a exemplo do sociólogo americano Francis Fukuyama, como uma consequência natural do esgotamento da produção ideológica que se oponha à já consolidada Democracia Liberal capitalista, desde o fim da Guerra Fria, os fatos contradizem essa afirmação e revelam uma tentativa remodelada de se romper com o legado das revoluções burguesas na Europa e denunciar o regime Democrático como a máscara de um liberalismo político e econômico que têm concentrado no processo histórico a maior parte da renda nas mãos de muito poucos. Essa perpetuação das elites econômicas, além de lhe concentrar nas mãos o poder das decisões, ainda está protegida pela Lei de Herança, que dificulta a ascensão social das classes e a redistribuição da renda. Portanto, ainda há algo a ser ajustado e que tem criado uma certa inquietação nos grupos que compõem as elites dominantes e que pareciam já ter consolidado seus domínios no campo político, econômico e social.

A Herança em si é algo legítimo, pois em tese transfere aos descendentes o fruto da geração anterior. Caso os herdeiros sejam incompetentes, sua riqueza esvaecer-se-á. Para proteger a "riqueza" material, a idéia atual é deixar "o dinheiro trabalhar", porém, esquece-se que alguém terá que suar a camisa para gerar os "rendimentos". Um fator importante para ajustar a distribuição de riquezas é a valorização do trabalho. Ao invés de explorar a massa trabalhadora pela escravização dos juros bancários, o trabalho deveria se tornar a linha-mestra da economia nacional - NR

Comparado ao processo político recente em Honduras, onde recentemente o Presidente eleito democraticamente, Manuel Zelaya, foi deposto por um golpe militar amparado pela Suprema Corte daquele país, o Brasil fez o curso inverso. Enquanto Lula ganhou as últimas duas eleições amparado por um programa e um discurso dignos de um governo que levaria em consideração as demandas populares, e romperia com séculos de protecionismo às minorias compostas pelas elites dominantes desse país, Zelaya foi eleito em uma composição de centro-direita, com um discurso populista e um programa nada diferente dos liberais que sempre nortearam as atitudes na América. Lula, impossibilitado de governar em coerência com seus discursos de programa, deu uma guinada, e bandeou para o neoliberalismo clássico, descartou qualquer programa que lhe pudesse garantir uma ponta de nacionalismo necessário em um país que ainda abriga uma grande parte de sua população em grandes áreas de subdesenvolvimento e carência de alimentos. Rompeu com as bases que o elegeram e entregou-se ao centenário modo de governar brasileiro com uma política conhecida como o "toma lá, dá cá", fazendo concessões e cedendo à pressões de interesses das elites agrárias, banqueiros e empresários, além de alianças inimagináveis que percorrem de Sarney A Fernando Collor de Mello. O Presidente de Honduras fez o caminho inverso. Enfrentando as mesmas dificuldades que Lula, não tendo maioria na Câmara, não rendeu-se aos interesses das minorias dominantes, compostas pelas elites econômicas hondurenhas, grupos internacionais, inclusive setores de segurança dos Estados Unidos e tentou, por via democrática (o plebiscito, também previsto no Art. 14 da Constituição Brasileira), estender seu mandato através de mudança na constituição a fim de que fosse legitimado a possibilidade de concorrer a uma reeleição. Como foi impedido à força pelo Exército Hondurenho e a Suprema Corte de colocar as urnas nas ruas para realização do plebiscito, sob a alegação de ilegalidade, mesmo sendo o povo soberano, Zelaya foi preso e teve que sair do país para não ser preso.

Não só em Honduras, mas mesmo aqui no Brasil alguns alegam que o terceiro mandato para o presidente Lula seria equivalente a um Golpe de Estado. Nada mais hipócrita, pois se isso for a vontade popular, legitimado por um amplo e justo plebiscito, o que seria mais democrático? E para os apressadinhos, não estamos com isso aprovando o governo atual - NR.

Independente das trapalhadas de alguns processos de ruptura com estruturas políticas que criam faixas de exclusão social, e de outros governos que teimam em ceder às chantagens de fortes grupos de interesses, a chama da esperança revolucionária começa a reacender em alguns pontos da América Latina como no Paraguai, de Fernando Lugo e Nicarágua, com a eleição de Daniel Ortega. Certamente, a Venezuela e a Bolívia são os combustíveis mais eficazes dessas chamas que se acendem, principalmente na Venezuela, onde o irreverente Hugo Chavez, criticado pela mídia que trabalha para os interesses das minorias elitistas ocidentais, quando é chamado de "ditador", "inconveniente" e "populista", há mais de 10 anos vem consolidando um bem planejado projeto revolucionário, que caminha com o tempo e as oportunidades sem perder a esperança de ver respondidas as demandas de um povo que sofreu por séculos a exclusão provocada pelos governos anteriores, e que eram representados pelos herdeiros do colonialismo "bárbaro" imposto pelos espanhóis por toda a América Hispânica.

Hugo Chávez possui estilo informal e desajeitado, fora dos padrões diplomáticos internacionais, e assim revela-se um autêntico socialista. Um homem capaz de não renovar a concessão da principal rede de rádio e TV da Venezuela, a RCTV, porque estavam em evidente prestação de serviço daqueles que tentam enfraquecer o processo de recuperação dos estragos provocados por séculos de política eurocêntrica, onde todos os privilégios eram reservados aos brancos europeus, e aos índios era reservada a tarefa de produzir alimentos para fortalecer seus algozes dos bairros nobres. Hugo Chavez foi capaz de alterar dispositivo constitucional que impedia que índios se matriculassem em universidades e, além disso, extiguiu o analfabetismo de crianças em idade de alfabetização em toda extensão territorial.

Com uma economia um tanto limitada, a Venezuela depende quase que exclusivamente do que arrecada com a produção de petróleo através da PDVSA, empresa estatal Venezuelana que Chavez retirou das mãos de um grupo que representava os interesses das elites dominantes, e indicou seus próprios homens de confiança para o gerenciamento da empresa. Os Estados Unidos compram quase 100% da produção de petróleo da Venezuela. Antes do governo Chavez, esse petróleo era vendido pela metade do preço de mercado pelos governos entreguistas. Hugo Chavez endureceu as negociações com os Estados Unidos, que então passaram a engrossar as fileiras daqueles insatisfeitos com a liderança venezuelana, e apoiaram o golpe mal sucedido em 2002, que tentou retirar a força Hugo Chavez do poder. Com o apoio do povo e do exército, 2 dias após ter sido deposto por um grupo formado por elites venezuelanas apoiados pela CIA, o Presidente eleito nas urnas na Venezuela estava de volta ao Palácio Miraflores, sede do governo.

A pressão é grande sobre o processo de revolução venezuelana, primeiro porque todos sabem que Hugo Chavez caminha para um socialismo que tem apoio da grande maioria da população daquele país. Ele já deu demonstrações de intolerância com a abertura inevitável que a Democracia oferece às elites econômicas para investirem seus recursos na destruição de seu projeto que flui da demanda popular. Por isso, executa ações que parecem ditatoriais, porém visam a proteger seu projeto voltado para os interesses da maioria e que não pode ser posto em risco pela insatisfação de um grupo minoritário que visa seus próprios interesses, o que é próprio dos países capitalistas democráticos. A segunda causa das pressões é o temor de que o processo revolucionário colocado em prática e ainda em andamento na Venezuela sirva de exemplo para todos os outros países da América Latina, onde Europa e Estados Unidos travam uma briga velada por uma nova onda de colonialismos.

Mahmud Hassam, jornalista e professor de História-RJ



Referências:

FUKUYAMA, Francis - O Fim da História



Bibliografias:

ANDERSON, Perry -O Fim da História: de Hegel a

MARINGONI, Gilberto - A Revolução Venezuelana

HOBSBAWN, Eric - A Era das Revoluções

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